O mundo está cada vez mais complicado. O volume de situações e a complexidade de tudo o que temos que lidar no dia a dia vêm crescendo assustadoramente, o que nos deixa com uma sensação de “superficialidade” em muito do que fazemos. Será importante hoje, com esse cenário, entendermos o que está por trás dos processos e sistemas que utilizamos? Será importante ainda sabermos os detalhes e as entranhas daquilo com que estamos envolvidos?
Eu mesmo fui vítima dessa preocupação: quando comprei meu primeiro carro com injeção eletrônica no início dos anos 1990, fiquei chocado ao abrir o capô e não entender onde estavam os componentes, e o pior, como funcionavam! Só sosseguei ao fazer um curso para mecânicos que ensinava a lidar com essas novidades… Se me perguntarem qual foi a utilidade disso para mim na prática, respondo com um sonoro: “Nenhuma!”. Mas, na época, saciar a minha necessidade por conhecer o “como” era prioritária, tanto que nem me lembro quantos sábados gastei nessa empreitada.
Exportando essas situações para a vida profissional, lembro que, no início dos anos 1980, um bom técnico de informática tinha conhecimento profundo da máquina, do funcionamento de seus componentes e dos programas que a faziam funcionar. Passados trinta anos, os especialistas de hoje precisam ser muito bons em saber “o quê” as máquinas e os programas devem fazer, e não necessariamente isso implica saber “como” é sua estrutura e funcionamento internos. Para os técnicos, em especial, hoje exigimos mais soft-skills e menos tecnicismos, como forma de ampliar seu relacionamento com os clientes. É mais valorizada uma ação de resolução de problemas e apoio aos clientes do que um conhecimento técnico profundo que, na prática, só é útil a um grupo restrito de profissionais que trabalham na elaboração e construção dos sistemas.
A própria tecnologia nos ajuda a manter uma certa distância do conhecimento profundo. Vejamos o caso dos fotógrafos. O bom fotógrafo da primeira metade do século passado era alguém que dominava muito bem processos químicos e tinha bons conhecimentos dos fenômenos físicos da óptica. A revolução tecnológica dos equipamentos fotográficos permite que hoje qualquer um tire boas fotografias. A máquina corrige a luz em excesso e em falta, acerta as cores, balanceia o branco, elimina efeitos indesejados dos flashes, corrige tremores, detecta sorrisos e o mais importante de tudo: nos permite experimentar, fotografar muito, errar muito e simplesmente deletar o que não ficou bom. O que resta para um fotógrafo profissional como diferencial em relação ao amador munido de uma boa câmera? A arte! Fotografar todos fotografam, mas produzir arte é para poucos. Um bom fotógrafo profissional de hoje pode ignorar totalmente os processos físicos, químicos e as entranhas dos modernos chips que produzem as fotos, mas não pode descuidar da composição, do cuidado com os cenários, dos ângulos e tudo mais.
Portanto, antes que fiquemos loucos tentando entender tudo, lanço aqui o movimento pela ignorância saudável! Vamos nos concentrar “no que” as coisas fazem e em como podemos utilizá-las em benefício de nossos negócios e nossas vidas! Vamos esquecer os detalhes que não interessam e só vão tomar nosso tempo… e ainda corremos o risco de dedicar tempo e dinheiro escassos para um aprofundamento inútil em algo que se tornará obsoleto em poucos meses.
Especialista foi meu avô, generalista meu pai… eu sou um ignorante seletivo e consciente! Bem-vindos à era da ignorância planejada e necessária: a ignorância saudável!
Artigo Publicado Originalmente na Revista eletrônica e-Learning Brasil Nº 134
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